03/09/2008

a teoria dos ex-amigos

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“A amizade é uma experiência mais frequente que o amor; mas todos os dias ouvimos histórias sobre ex-maridos, ex-namoradas, ao passo que pouca gente fala dos ex-amigos. E ao nosso lado há amizades que acabaram, como uma implosão de um edifício em ruínas, estrépito abafado e uma grande nuvem de pó. Disso fica apenas um grande silêncio.
As pessoas não gostam de reconhecer que a amizade é um laço frágil. A mitologia diz que os amigos são indestrutíveis e eternos. Há por isso um grau de decepção no fim de uma amizade que cobre de vergonha os envolvidos.
Uma paixão amorosa está umbilicalmente ligada a dimensões mais superficiais e passageiras, como o aspecto físico ou o desejo sexual. Quando o amor acaba, a tragédiaé minimizada porque já sabíamos que o “amor acaba”. O fim de uma amizade é uma surpresa mais chocante. Quando uma amizade acaba temos de reconhecer, contrariados, que a amizade, tal como o amor, é uma eternidade fraudulenta.
Norman Podhoretz escreveu uma curiosa autobiografia chamada Ex-Friends (2000), em que conta como se zangou com todos os americanos. No caso de Podhoretz, as amizades terminam por discórdias politicas. (…) A amizade suporta bem opiniões divergentes. Eis o que uma amizade não aguenta: deslealdades, traições, ausências, crueldades, competições, impiedades. Já passei por algumas rupturas violentas, e sei que as amizades acabam porque pomos em causa o carácter do amigo (ou ele o nosso). Reparem que não me refiro às amizades que se desvanecem, à intensidade que diminui, às pessoas com quem vamos perdendo contacto aos poucos, sem premeditação, só porque mudaram os nossos hábitos ou as nossas circunstancias. De tempos a tempos, todos temos amigos de quem já não somos amigos. Mas isso é muito diferente de um ex-amigo.
Um ex-amigo é alguém a quem um dia entregamos as chaves todas que tínhamos. Teve acesso total às nossas ideias e emoções. Um ex-amigo foi sempre um amigo íntimo. É isso que explica o decoro antiquado com que evitamos o assunto. O ex-amigo representa um juízo ético errado. É uma mancha humana. Um momento em que nos enganamos completamente sobre a humanidae, ou sobre um humano em concreto.É fácil dizermos “eu achava que estava apaixonado e garantirmos que confundimos o amor com uns olhos azuis. Mas com um amigo, que é um peixe de águas profundas, não temos essa desculpa. Quem é que diz” eu achava que era amigo dele”? O fim de uma paixão revela um erro comum. O fim de uma amizade é um erro pessoal. Sem direito a perguntas.
O ex-amigo nunca nos é indiferente. Uma das minhas regras sagradas de conduta é que nunca digo mal de um ex-amigo. Isso é tanto mais estranho quanto sou capaz de dizer mal de um amigo, em casos graves. Mas um ex-amigo é como uma invertigação policial inconclusiva. É um caso arquivaso por desistência e que pesa na consciência.(…)
Ao mesmo tempo, o ex-amigo não é exactamente um inimigo. É um fantasma, uma assombração de que nos lembramos sempre, como nos lembramos das mulheres que amámos. O Amigo entro u na cidade proibida e agora não nos perdoamos que ele tenha visto os leões e os archeiros. Quando nos arrependemos de uma intimidade sexual, deitamos as culpas para a loucura temporária que é o desejo. Mas nunca perdoamos o entusiasmo lúcido com que fizemos amigos e depois os perdemos. Não estamos sequer arrependidos: estamos tristes com uma tristeza mais suportável e mais duradora que a tristesa amorosa. Quando nos cruzamos com um ex-amigo e não nos cumprimentamos, pesa no coração o logro que é a fraternidade. Sem a qual a igualdade e a liberdade afinal não valem nada”

By Pedro Mexia
In jornal Público
16 .08.2008
Eu tenho um ex-amigo e nem sempre é facil assumir... __________________________________________________________________________________________________

1 comentário:

centrípeta disse...

"Disso fica apenas um grande silêncio."

"...as amizades acabam porque pomos em causa o carácter do amigo (ou ele o nosso)."

Não tenho nenhum ex-amigo mas sinto o peso de algumas palavras neste texto. :(

Sinto o silêncio como um nó na garganta e um estacar, presa, num meu lugar, só meu, que me impede de avançar...

E sinto este carácter posto em causa... sem necessariamente o ser. Mas sinto. E isso baixa-me o olhar. E dói-me.

Felizmente, apesar de ser uma dura realidade, esta tão bem descrita por Pedro Mexia, não tenho nenhum ex-amigo.
Acho...


Kiss para ti, que és linda e uma aMiga "daquelas"!!!